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Caixas de Reciclagem: o tesouro escondido da Inteligência Competitiva no setor de cosméticos

8 min readJan 6, 2025

Por Raquel Balceiro, D.Sc.

Foto: Caixas coletoras de embalagens para reciclagem da Natura e do Grupo O Boticário.

Em plena tarde de um sábado qualquer, no final de 2024, lá estava eu fazendo uso da caixa de reciclagem da loja do O Boticário, depositando vagarosamente as 15 embalagens de cosméticos que eu havia guardado durante o segundo semestre, enquanto contava uma por uma e pensava no tesouro que havia ali. Das marcas que eu utilizo, sei que o Boticário e a Natura são empresas que se utilizam deste recurso tanto para fidelizar os seus clientes — pois oferecem descontos a partir da quantidade de embalagens depositadas — quanto para vender a reputação de uma empresa preocupada com a preservação do meio ambiente.

Mas, será que estas empresas não podem utilizar a caixa coletora para extrair informações valiosas?

Claro! Na aula de Gestão do Capital de Ecossistema, na qual falo um pouco sobre Inteligência Competitiva, costumo mencionar o Código de Ética do profissional de Inteligência, destacando que a busca de informações no “lixo” das organizações não é uma atitude esperada deste profissional.

No entanto, isso não impede que as organizações que coletam as embalagens dos seus clientes analisem:

  • Seus hábitos de consumo;
  • Os tipos de produtos que eles compram e a finalidade de cada um deles;
  • O valor de cada produto;
  • As marcas consumidas;
  • A proporção de produtos de outras marcas em relação às suas próprias;
  • Se dentre as embalagens depositadas, há produtos que não possuem similaridades na sua carteira de produtos oferecida ao mercado.

Ou seja, nesta pequena relação acima, já se pode perceber que há ali um grande manancial de informações que podem ser mineradas a partir de uma simples caixa de coleta de embalagens para reciclagem, desde que se adote a estratégia inteligente de permitir que os consumidores ali depositem também produtos de outras marcas.

Por que, então, que a Inteligência Competitiva é tão importante para as organizações?

Se você conhece o inimigo e conhece a ti mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas.

Se você se conhece, mas não conhece o inimigo, para cada vitória ganha, sofrerá também uma derrota.

Se você não conhece nem o inimigo, nem a si mesmo, perderá todas as batalhas…

– Sun Tzu

A maioria das organizações que adotam uma estratégia de negócios apoiada na Inteligência Competitiva está buscando melhorar a sua tomada de decisão, por meio de previsões razoáveis baseadas em dados, que estarão disponíveis para qualquer Executivo que precise deles de modo estruturado. A Inteligência Competitiva pode servir como uma ferramenta para alertá-los sobre oportunidades e ameaças, por meio de um monitoramento sistemático do ecossistema de negócios, no curto, médio e longo prazos. Adicionalmente, permite que sejam levantados padrões e tendências, que podem ser importantes para a estratégia das diversas áreas da organização.

Costumo brincar em sala de aula que a Inteligência Competitiva não é espionagem, nem bola de cristal, muito menos um software ou uma planilha elaborada com Power BI. No entanto, a Inteligência Competitiva pode se valer de ferramentas tecnológicas para garantir a execução de um processo muito maior de tratamento de obtenção de dados, tratamento de informações e geração de conhecimento estratégico que vai permitir uma tomada de decisão muito mais segura pelos executivos da empresa.

A Inteligência Competitiva é uma metodologia adotada por um Núcleo de Inteligência com vínculo estratégico a Alta Administração de uma organização. Ele busca proativamente observar o ambiente de negócio, captar dados e informações relevantes sobre os sinais que este ambiente está oferecendo à empresa, analisá-los e sintetizá-los em relatórios consistentes ao processo de tomada de decisão. Este monitoramento feito pela equipe de Inteligência Competitiva é importante porque estes sinais podem ser:

  • Fracos, quando difíceis de serem detectados;
  • Confusos, difíceis de serem analisados;
  • Espúrios, quando não indicam mudanças verdadeiras;
  • Fortes, quando inequívocas.

Por se caracterizarem como sinais de diferentes características, precisam estar frequentemente no radar do Núcleo de Inteligência para que a Estratégia Empresarial adotada não conduza a organização ao pior caminho para o negócio. Kahaner (1997, p. 23–30) argumenta que a Inteligência Competitiva deve constituir um programa formalizado e ter como objetivos, entre outros:

  • antecipar mudanças no mercado e nas ações dos competidores;
  • descobrir novos ou potenciais competidores;
  • aumentar as opções e a qualidade das empresas alvo de aquisições;
  • aprender sobre novas tecnologias, produtos e processos que afetam os negócios da organização;
  • aprender sobre mudanças políticas, legislativas ou regulatórias que podem afetar os negócios;
  • entrar num novo negócio;
  • olhar as próprias práticas de negócio com mente aberta; e
  • auxiliar na implementação das mais atuais ferramentas de gestão.

Ao adotar um Sistema de Inteligência Competitiva, o Núcleo de Inteligência executa o seguinte processo:

  1. Identificação das Necessidades de informação;
  2. Coleta das informações;
  3. Análise das informações;
  4. Disseminação das análises;
  5. Avaliação do processo.

Para identificar as necessidades de informação de cada área, o Núcleo de Inteligência pode se valer de entrevistas com os Executivos ou principais interessados destes departamentos, considerando para tal os diversos aspectos do Modelo das Cinco Forças de Porter modificado (Gomes e Braga, 2001), conforme a imagem a seguir.

Modelo de Porter Adaptado. Fonte: Gomes, E. e BRAGA, F. (2001).

As necessidades e requisitos de informação dos usuários do sistema são definidos e as Questões Estratégicas de Informação (QEI) são identificadas através de entrevistas, que acontecem em 3 etapas:

  • Primeira etapa: entrevistas individuais com os usuários do sistema ou com os executivos, identificando objetivos e questões qualitativas e suas inter-relações, identificando-se as vigilâncias mais relevantes a serem monitoradas.
  • Segunda etapa: análise dos resultados das entrevistas, certificando-se de que as necessidades solicitadas foram bem entendidas e que estão alinhadas com a estratégia da empresa.
  • Terceira etapa: construção e validação dos enunciados das questões, junto com os usuários do SIC, avaliando se o escopo do trabalho a ser realizado contempla a necessidade de informação para as decisões que serão tomadas.

E quais seriam as perguntas estratégicas de informação de uma empresa na área de cosméticos?

Uma organização da área de cosméticos que se vale de uma caixa para coleta de embalagens para reciclagem poderia utilizar os produtos ali depositados para responder a uma série de perguntas. Considerando as áreas de marketing, Desenvolvimento da Produção e Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), as perguntas estratégicas focariam em informações fundamentais para entender o posicionamento, a inovação e as estratégias de mercado da concorrência. Cada área teria suas próprias prioridades e focos específicos. Na tabela a seguir, apresento algumas perguntas para cada uma dessas áreas, relacionadas com os elementos constitutivos do Modelo de Porter Adaptado.

Tabela 1 — parte 1 — Exemplos de questões que poderiam ser respondidas a partir da investigação das embalagens constantes na caixa coletora. Elaboração própria.
Tabela 1 — parte 2 — Exemplos de questões que poderiam ser respondidas a partir da investigação das embalagens constantes na caixa coletora. Elaboração própria.

Essas perguntas podem ser ajustadas para ir mais a fundo de acordo com os objetivos específicos e as prioridades da empresa. As respostas obtidas através da Inteligência Competitiva forneceriam uma base sólida para a tomada de decisões estratégicas mais eficazes e para o desenvolvimento de produtos que atendam às expectativas do mercado.

A partir da análise do que é depositado na caixa e realizando um cruzamento das QEIs estabelecidas previamente com esse escrutínio das embalagens vazias, o Núcleo de Inteligência pode construir uma base própria de informações primárias que darão muito mais segurança na avaliação das tendências do mercado, demonstrando alta confiabilidade. Além dessas caixas, também são fontes de informação para os Núcleos de Inteligência:

  • as Pesquisas de Mercado;
  • os Grupos de Foco;
  • Feiras, reuniões setoriais;
  • Imprensa especializada e de negócios;
  • Relatórios Empresariais;
  • Estudos Setoriais e de Mercado, dentre outros.

Como essas análises podem ser disseminadas?

Quando essas pesquisas são encomendadas ao Núcleo de Inteligência, é comum que já se estabeleça previamente de que forma elas serão disseminadas. Existem duas maneiras:

  • Disseminação focada: quando determinado usuário ou grupo de usuários solicita um tipo de informação específica;
  • Disseminação geral: quando a inteligência é disseminada para toda a empresa sem um usuário específico.

Elas podem ser realizadas por meio de diversos instrumentos. Reuni aqui alguns deles:

  • Alertas Antecipados: relatórios com análise sintética e rápida sobre um tópico específico do setor que possa afetar a organização no curto prazo. Esse produto busca antecipar possíveis ameaças e oportunidades de negócio que possam pegar os decisores estratégicos de surpresa;
  • Projeções Estratégicas: relatórios com análises de tendências macro ambientais que possam afetar a competitividade da organização e do seu respectivo setor no longo prazo;
  • Sumários Executivos: relatórios sintéticos com análises prospectivas e implicações futuras das forças competitivas existentes no setor sobre a organização. Também apresentam recomendações sobre possíveis (re)ações a serem tomadas para neutralização das ameaças e aproveitamento das oportunidades identificadas. Normalmente a análise é feita a partir de dados coletados de fontes secundárias;
  • Newsletter: relatórios contendo um conjunto de informações relevantes e atualizadas sobre os concorrentes e demais players de interesse existentes no setor, publicadas ou veiculadas nas mídias impressas, televisivas ou outros meios de comunicação;
  • Relatórios Analíticos: relatórios com análises detalhadas dos perfis e comportamentos estratégicos adotados pelos concorrentes (competitor profile) atuais e demais players do setor, como fornecedores, clientes, parceiros estratégicos, instituições financeiras e governo;
  • Análises de Situação: relatórios com análises instantâneas (snapshot) das forças e fraquezas internas da organização, que possam implicar na conquista ou perda de vantagem competitiva em decorrência da identificação de novas ameaças ou oportunidades de negócios.

Como essas análises são disseminadas entre os clientes internos da Pesquisa, eu deixo para um artigo futuro.

Que outros atributos este tesouro escondido pode fornecer a uma organização?

As caixas coletoras de embalagens para reciclagem são um tesouro escondido que vai além do uso das informações para redefinições estratégicas. Elas podem ser úteis para:

  • Reforço de marca sustentável;
  • Campanhas de conscientização, atração e retenção de clientes;
  • Aumento no fluxo de clientes;
  • Compor relatórios e garantir credibilidade ambiental;
  • Otimização da cadeia de suprimentos de reciclagem;
  • Dados para planejamento logístico, a partir da informação de quantas embalagens retornam e de onde vêm;
  • Design e Branding Visual;
  • Informações sobre certificações e selos dos concorrentes;
  • Estudo de modelos de embalagem funcional;
  • Materiais sustentáveis e inovadores;
  • Identificação de produtos chave da concorrência;
  • Insights para treinamento de vendedores.

Além disso, estas embalagens podem ser utilizadas em inúmeras finalidades, que vão ajudar a alavancar o negócio de quem mantem uma caixa coletora. Para fechar este artigo, eu listo algumas aqui.

  1. Redução de custos com matéria-prima;
  2. Economia em processos produtivos;
  3. Incentivos governamentais e redução de tributos;
  4. Economia de escala em regiões metropolitanas;
  5. Alianças e parcerias com cooperativas e fornecedores locais;
  6. Redução de custos com transporte e armazenagem;
  7. Melhoria da imagem corporativa e atração de consumidores.

Sendo assim, quando você estiver, como eu, de frente para uma caixa coletora de embalagens para reciclagem em uma loja de cosméticos, lembre-se de que há muito mais envolvido do que um simples compromisso ambiental que você ajuda a realizar.

Referências

  1. ALVARES, Lillian. Inteligência Competitiva II (aula). Faculdade de Ciência da Informação. Universidade de Brasília. 2020.
  2. BALCEIRO, Raquel. Capital de Ecossistema (aula). Pós-graduação lato sensu em Gestão do Conhecimento e Inteligência Empresarial. COPPE/UFRJ, 2024.
  3. CAPUANO, Ethel Airton et al. Inteligência competitiva e suas conexões epistemológicas com gestão da informação e do conhecimento. Revista Científica da AJES, vol. 07, no. 15, ju/dez/2018. https://doi.org/10.1590/S0100-19652009000200002.
  4. GOMES, Elisabeth; BRAGA, Fabiane. Inteligência competitiva — como transformar informação em um negócio lucrativo. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 2001.
  5. KAHANER, Larry. Competitive intelligence: how to gather, analyze, and use information to move your business to the top. New York: Touchstone, 1997.

Raquel Balceiro é Doutora em Engenharia de Produção com especialização em Gestão do Conhecimento, é professora da Pós-graduação Lato Sensu em Inteligência Empresarial e Gestão do Conhecimento (MBKM) do CRIE — COPPE/UFRJ, e ministra as disciplinas “Mapeamento do Conhecimento” e “Capital de Ecossistema”. Tem especial interesse pelas metodologias que se inter-relacionam com a Gestão do Conhecimento, como a Inteligência Competitiva e o Benchmarking.

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Raquel Balceiro
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Written by Raquel Balceiro

Praticante de Gestão do Conhecimento, facilitadora de equipes, educadora, professora de pós-graduação

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